No último artigo, comentamos sobre o livro “Literatura e Medicina: uma experiência de ensino” lançado em abril de 2014. Esse livro refletiu a aventura bem sucedida de um grupo de professores de medicina da Universidade Estácio de Sá que, com financiamento da Faperj, durante um ano discutiu textos literários com alunos da faculdade de Medicina. Um dos textos estudados não poderia deixar de ser o clássico “A morte de Ivan Ilitch”, de Leon Tolstoi.
“A morte de Ivan Ilitch” é considerada por muitos críticos literários a novela mais perfeita da literatura mundial. Todos os alunos de medicina e médicos deveriam ler. Não. Todos os estudantes e profissionais de área de saúde deveriam ler. Não. Todos deveriam ler. Porque trata, com um texto simples, claro, de algo que diz respeito a todo e qualquer ser humano.
O título não deixa dúvida quanto ao desenlace logo, não lemos com a curiosidade de saber qual o final mas sim para conhecer todo o processo que envolve os dias do personagem principal e sua família e amigos nos momentos finais de sua vida.
Para muitos a grande diferença entre os homens e os outros animais é a sua consciência (plena?) da morte, de sua finitude. No livro, através da experiência de um personagem, do processo de finitude único e particular de um personagem, Tolstoi nos coloca frente ao universal – o que sem dúvida caracteriza os grandes clássicos da literatura mundial: experiências individuais, fatos locais que no fundo dizem respeito a todos nós.
Aos médicos é reservado algumas passagens bastante críticas:
“…ela respondeu que se ele estava doente devia ser tratado e insistiu em que consultasse um médico famoso.
E ele foi. Seguiu-se tudo dentro do esperado, como sempre acontece. Houve o habitual período na sala de espera, a atitude importante assumida pelo médico – ele conhecia bem aquele ar de dignidade profissional; ele próprio adotara no Tribunal -, os exames e as perguntas que exigiam respostas que levavam a conclusões óbvias e obviamente desnecessárias e o olhar grave, que queria dizer: “Deixe tudo conosco e nós resolveremos as coisas, nós sabemos tudo do assunto e podemos resolvê-lo para você, como faríamos com qualquer outra pessoa”. O procedimento todo era igual ao dos Tribunais. Os ares que ele adotara no Tribunal em benefício do prisioneiro, o médico adotava agora em relação a ele.
O médico disse-lhe que este e aquele sintoma indicavam que isto ou aquilo iam mal com o paciente por dentro, mas se esse diagnóstico não fosse confirmado pelos exames clínicos disto ou daquilo, então chegaremos a esta ou aquela conclusão. Se chegarmos a esta ou aquela conclusão, então… e assim por diante. Para Ivan Ilitch só importava saber uma coisa: o seu caso era sério ou não era sério? Mas o médico ignorava essa pergunta tão fora do propósito. Do ponto de vista médico tratava-se de um detalhe que não merecia ser levado em consideração…”
Esse livro foi escrito na Rússia czarista no início do século XX, bastante distante tanto física quanto temporamente. É impossível não nos reconhecermos em várias passagens do livro, impossível não percebermos muitas de nossas angústias, muitas de nossas fraquezas, muitos do nosso egoísmo. “A morte de Ivan Ilitch”, livro lido e relido tantas vezes, é um dos meus livros de cabeceira.
Por Dra. Ana Mallet