Evolução de Indicadores Socioeconômicos e da Mortalidade Cardiovascular em três Estados do Brasil

 

Gabriel Porto Soares, Júlia Dias Brum, Gláucia Maria Moraes de Oliveira, Carlos Henrique Klein, Nelson Albuquerque Souza e Silva

No Brasil, nas últimas três décadas houve importante redução nas taxas de mortalidade por doenças do aparelho circulatório (DAC), principalmente das doenças cerebrovasculares (DCBV). As taxas de mortalidade por doenças do aparelho circulatório, nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul e suas capitais, apresentaram valores intermediários se compararmos com outros países do mundo. Estes três estados e municípios apresentaram a partir do ano 2000 taxas entre 300 e 400 óbitos por 100 mil habitantes (1), valores não tão elevados quanto países como Rússia, Ucrânia, Romênia e outras ex-repúblicas soviéticas com taxas próximas a 1000 óbitos por 100 mil habitantes, nem tão baixos quanto os do Japão com taxas de óbitos em torno de 110 por 100 mil habitantes (2-4).

A identificação dos fatores de risco clássicos e a busca de novos fatores candidatos têm orientado o estadiamento individual dos pacientes e a conduta na prescrição de medidas de prevenção secundária ou primária. Determinantes sociais e econômicos não apenas influenciam na presença e distribuição dos fatores de risco tradicionais, como também influem de forma direta sobre mecanismos biológicos intimamente relacionados com a patogênese cardiovascular (ex.: baixo peso ao nascer e efeitos crônicos na modulação neuroimunoinflamatória). Pelo relativo desconhecimento das relações entre ciências sociais e neuropsicologia e de como estes determinantes interagem na distribuição da vulnerabilidade biológica à doença, o progresso neste terreno ainda tem sido lento(5).

Os fatores de risco clássicos apresentam alta prevalência e aumento nos seus valores nas últimas décadas. Os estudos populacionais do fim da década de 1970 e do início da década de 1980 estimavam a prevalência de Hipertensão Arterial entre 10 e 25% (6). Atualmente a prevalência deste fator de risco apresenta-se variando de 16,75% a 40,3% dependendo da região avaliada (7). Nas Américas, o número de indivíduos com diabetes foi estimado em 35 milhões para o ano 2000 e projetado para 64 milhões em 2025 (8).

No Brasil, a prevalência de sobrepeso (IMC ≥25kg/m2) no Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF), realizado nos anos de 1974/1975 apresentava-se, na região Nordeste em 11% dos homens e 19% das mulheres, na região Sudeste em 20% dos homens e 29% das mulheres (9). Atualmente estima-se a prevalência de sobrepeso no Brasil em 38,5% dos homens e 39% das mulheres (10). Muito relacionadas à obesidade e ao sobrepeso, as dislipidemias estão presentes em 38% dos homens e 42% das mulheres (11). O tabagismo é o único entre os fatores de risco clássicos que apresenta redução na prevalência ao longo dos últimos anos, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição – (PNSN), realizada pelo IBGE em 1989, a prevalência de tabagismo em todo Brasil foi de 31,7% (39,3% em homens e 25,2% em mulheres). As prevalências encontradas no Inquérito epidemiológico nas Capitais Brasileiras em 2002-2003 em 16 capitais – variou de 12,9% a 25,2% (em homens: de 16,9% a 28,2%; em mulheres: de 10,0% a 22,9%). Porém por se tratar de redução recente neste fator de risco, o impacto nas taxas de mortalidade deve ocorrer nos próximos anos (12).

Em nosso estudo demonstramos que há forte correlação entre a queda da mortalidade infantil, a elevação do PIB per capita e o aumento da escolaridade com a redução na mortalidade por doenças do aparelho circulatório em adultos, a partir de 1980. Evidenciando que a melhoria nos indicadores socioeconômicos precedeu a redução dos óbitos cardiovasculares. O aumento do PIB per capita (PIBpc) foi capaz de reduzir muitas mortes por DAC. A grande elevação da escolaridade no decorrer das últimas décadas, que praticamente dobrou nos três estados e capitais, teve grande impacto na mortalidade reduzindo em mais de 100 óbitos por DAC nos estados e cerca de 80 óbitos nas capitais com o aumento de 1 ano na média de anos de estudo em adultos. A queda da mortalidade infantil precedeu a queda da mortalidade cardiovascular, sendo que para a redução de cada óbito infantil por mil nascidos vivos corresponde a cerca de menos 5 óbitos por DAC em cada 100 mil habitantes nas regiões estudadas. Estes três indicadores sociais são intimamente relacionados e interdependentes si. O PIBpc representa a melhora social e econômica da sociedade brasileira a partir da segunda metade do século XX e sua evolução ao longo dos anos estudados mostra forte relação com a variação da mortalidade, principalmente com as taxas de mortalidade por DAC. A melhoria nos três indicadores relacionou-se à queda da mortalidade por DAC e também por todas as causas. Dentre as causas cardiovasculares as doenças cerebrovasculares destacam-se como grande grupo de causa onde houve a maior redução das taxas mortalidade, considerando principalmente o fato de que as DCBV apresentavam maiores valores nos anos iniciais do período favorecendo uma maior queda em relação às doenças isquêmicas do coração (DIC) (1).

Em síntese, nas últimas três décadas houve importante redução da mortalidade por todas as causas nos três estados analisados. Esta redução ocorreu principalmente por queda da mortalidade por doenças do aparelho circulatório, especialmente das doenças cerebrovasculares. A queda da mortalidade por doenças do aparelho circulatório foi precedida por melhoria em indicadores socioeconômicos, a variação evolutiva destes indicadores demonstrou correlação quase máxima com a redução da mortalidade. Essas relações sinalizam a importância na melhoria das condições de vida da população para se reduzir a mortalidade cardiovascular.

 

Referências:

  1. Soares GP, Brum JD, Oliveira GMM, Klein CH, Souza e Silva NA. Evolução de Indicadores Socioeconômicos e da Mortalidade Cardiovascular em três Estados do Brasil. Arq Bras Cardiol. 2013;100(2):147-156.
    1. Klein CH, et al. Hipertensão Arterial na Ilha do Governador, Rio de Janeiro, Brasil. I. Metodologia. Cad. Saúde Pública vol.11 no.2 Rio de Janeiro Apr./June 1995.
    2. Sartorelli DS, Franco LJ. Tendências do diabetes mellitus no Brasil: o papel da transição nutricional. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(Sup. 1):S29-S36, 2003.
    3. Mendonça CP, Anjos LA. Aspectos das práticas alimentares e da atividade física como determinantes do crescimento do sobrepeso/obesidade no Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):698-709, mai-jun, 2004.
    4. Repetto G, Rizzolli J, Bonatto C. Prevalência, Riscos e Soluções na Obesidade e Sobrepeso: Here, There, and Everywhere. Arq Bras Endocrinol Metab vol 47 nº 6 Dezembro 2003.
    5. IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arquivos Brasileiros de Cardiologia – Volume 88, Suplemento I, Abril 2007.
    6. Prevalência de Tabagismo no Brasil. Dados dos inquéritos epidemiológicos em capitais brasileiras. Coordenação de Prevenção e Vigilância/INCA/MS Rio de Janeiro. Maio de 2004.
  1. Sans S, Kesteloot H, Kromhout D. The burden of cardiovascular diseases mortality in Europe: Task Force of the European Society of Cardiology on cardiovascular mortality and morbidity statistics in Europe. Eur Heart J. 1997;18(8):1231-248.
  2. Yusuf S, Reddy S, Ôunpuu S, Anand S. Global Burden of Cardiovascular Diseases: Part II. Circulation 2001;104;2855-2864.
  3. Müller-Nordhorn J, Binting S, Roll S, Willich SN. An update on regional variation in cardiovascular mortality within Europe. Eur Heart J. 2008 May;29(10):1316-26.
  4. Achutti A, Azambuja MIR. Interessa saber e discutir sobre as causas das DCV? Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado Rio Grande do Sul • Ano XVIII nº 20 Set/Out/Nov/Dez 2010.
  1. Passos VMA, Assis TD, Barreto SM. Hipertensão arterial no Brasil: estimativa de prevalência a partir de estudos de base populacional. Epidemiologia e Serviços de Saúde. Volume 15 – Nº 1 – jan/mar de 2006.
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