Síncope Relacionada ao Exercício: Qual a Importância do Teste Ergométrico?

 

Dra Andréa London

Presidente do DERCAD/RJ

 

Síncope é definida como a perda transitória de consciência, acompanhada de perda do tônus postural, espontaneamente reversível, causada por hipoperfusão cerebral 1. Os  episódios são geralmente rápidos, havendo recuperação espontânea sem sequelas neurológicas e com graus variados de recordação do que aconteceu. Esta definição, per si, exclui crises convulsivas, distúrbios metabólicos, quadros secundários à intoxicação exógena, entre outros diagnósticos. Constitui mais de 3% de todos os atendimentos em emergência e 5% a 6% de todas as admissões hospitalares. A ocorrência de síncope relacionada ao exercício pode representar a primeira indicação de condições cardiovasculares  subjacentes potencialmente letais, estando associada à mortalidade em 1 ano de 30%. Nos atletas, a síncope durante o esforço deve ser considerada equivalente a um episódio de morte súbita abortada, até que sua etiologia seja identificada2. A síncope relacionada ao exercício está mais frequentemente associada à cardiopatia estrutural e apresenta prognóstico desfavorável: a mortalidade em 1 ano é 2 a 5 vezes maior do que nos pacientes com síncope não cardíaca. A morbidade também é significativa devido às quedas ou acidentes resultantes da síncope. Pouco se sabe sobre a prevalência de síncope especificamente relacionada ao exercício na população, ou mesmo em subgrupos populacionais e pacientes hospitalizados. Como as evidências epidemiológicas ainda são limitadas, torna-se mandatória uma avaliação diagnóstica cuidadosa do paciente. Dados de estudos italianos em atletas mostraram que 12% das síncopes ocorreram no período pós-exercício (Figura 1). Somente em 1.3% dos casos houve clara relação da síncope com o exercício, sendo a cardiomiopatia hipertrófica (CMH) e a taquicardia do tratode saída do ventrículo direito (VD) as causas diagnosticadas4,5. De fato, a síncope que ocorre claramente durante o esforço é incomum. Apenas 5% dos pacientes referidos para Unidades de Síncope apresentaram o evento relacionado ao exercício6.  Inicialmente, é importante definir se a síncope ocorreu durante ou após o exercício. Por vezes, o que é considerado síncope durante o exercício ocorreu no  pós-esforço ou durante pausas no esforço. Quando a síncope ocorre no pós-exercício, em geral é de origem neurocardiogênica, tornando a cardiopatia estrutural menos provável. Apenas os episódios que ocorrem durante o esforço contínuo, causando interrupção súbita e não intencional do exercício e queda, são consideradas síncopes durante o exercício. Nos pacientes jovens, com menos de 35 anos e com cardiopatia estrutural, as causas comuns de síncope relacionada ao exercício são  a CMH, displasia arritmogênica de VD, estenose aórtica e coronária anômala. Na ausência de cardiopatia estrutural, as síndromes arritmogênicas primárias, como o QT longo e a taquicardia ventricular (TV) catecolaminérgica, são causas de síncope ao esforço que afetam tipicamente os jovens.  Nos pacientes com mais de 35 anos, a estenose aórtica, arritmias secundárias à cardiopatia estrutural e menos comumente cardiopatia isquêmica, estão relacionadas à síncope com o esforço. A avaliação inicial do paciente com síncope consiste em história clínica e exame físico cuidadosos, incluíndo a medida da PA com o ortostatismo, e realização de eletrocardiograma (ECG)7. Após esta avaliação inicial, a causa provável da síncope pode ser identificada em aproximadamente 25% dos pacientes. O próximo passo dependerá da suspeita clínica e da avaliação quanto à cardiopatia estrutural. A injúria secundária à síncope é mais frequentemente vista por arritmias e menos frequentemente na síncope neurocardiogênica que ocorre no pós-esforço, em que o aparecimento da síncope é gradual, com pródromos, permitindo a atenuação da queda. Quando há história familiar de morte súbita, especialmente em idade jovem, a síncope é mais preocupante e pode sinalizar doença genét ica herdada, condição ameaçadora da vida. A síncope por arritmias ventriculares geralmente é de aparecimento súbito, sem pródromos, associadaa trauma/injúria, e os sintomas ocorrem mais frequentemente durante o esforço físico. Pode ser precedida de palpitação taquicárdica ou dor torácica e cursar com alteração eletrocardiográfica.Na síndrome do QT longo e na TV catecolaminérgica, a história familiar geralmente mostra morte súbita em idade jovem8. Uma detalhada investigação sobre a história familiar pode ser de grande valor, pois algumas doenças possuem um padrão de distribuição genético autossômico dominante em pelo menos metade dos casos. Desta forma, a história de um familiar que morreu subitamente ou que experimentava pré-síncope ou síncope durante os exercícios deve alertar o médico para esta possibilidade. No exame físico, a avaliação dos pulsos, da ausculta cardíaca e da PA são fundamentais. O ECG pode diagnosticar anormalidades associadas à doença cardíaca e maior risco de arritmias malignas. Estas anormalidades incluem, por exemplo, o padrão de pseudo-infarto visto na CMH e a onda épsilon, na cardiomiopatia arritmogênica de VD. Na síndrome do QT longo, por definição, o critério eletrocardiográfico é crucial para o diagnóstico9. Embora em alguns casos o ECG possa estabelecer ou sugerir um diagnóstico, às vezes, precisamos de exames adicionais.

O ecocardiograma nos pacientes com síncope objetiva avaliar a possibilidade de cardiopatia estrutural, devendo ser realizado principalmente na presença de história clínica sugestiva de cardiopatia e exame físico ou ECG anormais. Se a investigação da síncope relacionada ao exercício, através da estratégia anteriormente citada, ainda não conseguiu identificar a causa provável, o teste ergométrico (TE) deve ser realizado, com o objetivode reproduzir o fator desencadeante da síncope e assim tentar elucidar o diagnóstico7.  O TE pode diagnosticar a ocorrência de taquicardias ventriculares idiopáticas, como a TV catecolaminérgica e a TV do trato de saída do VD (Figura 2), que cursam em coração estruturalmente normal , sendo distúrbios do ritmo adrenérgico-dependentes e podendo ser causa de síncope10,11. O TE mostrou-se ferramenta diagnóstica bastante útil no diagnóstico de taquiarritmias ventriculares relacionadas à síndrome da QT longo (Torsades de Pointes)12. Bradiarritmias, disfunção do nodo sinusal e bloqueios atrioventriculares também podem ser diagnosticados através do TE.  Efeitos pró-arrítmicos de medicações podem ser desmascarados no TE, situação em que a ocorrência de TV induzida pelo exercício está associada a alto risco de morte súbita. Nos pacientes com cardiopatia estrutural, o TE pode auxiliar na identificação de arritmias sintomáticas induzidas pelo exercício, agregando igualmente valor prognóstico. Embora seguro quando conduzido por especialista, vale ressaltar que o TE para avaliação de síncope deve ser realizado em ambiente hospitalar. Dados da literatura mostram que o TE, nos pacientes com risco de arritmias graves, apresentou incidência de 2.3% de arritmias que necessitaram de cardioversão, medicação venosa ou reanimação cardíaca. Mesmo nesta população, o TE pode ser realizado com baixa mortalidade e poucos eventos graves, pois a exposição a arritmias de maior risco ocorre sob circunstâncias controladas. Concluindo, a síncope relacionada ao exercício pode ser um precursor de morte súbita, principal-mente nos pacientes com cardiopatia estrutural, e o objetivo primordial daabordagem diagnóstica é descartar causas potencialmente letais. Neste contexto, é importante distinguir se a síncope ocorreu durante ou após o exercício, o que direciona para possíveis causas. O TE pode identificar a causa da síncope relacionada ao exercício, quando a estratégia inicial através de história, exame físico, ECG e a exclusão de cardiopatia estrutural através de ecocardiograma, não foi elucidativa. Na ausência de contraindicações, o TE pode reproduzir a síncope relacionada ao exercício, auxiliando no diagnóstico e na estratificação do risco de morte súbita.

Referências Bibliográficas:

1.  Guidelines for the diagnosis and management of syncope.  Eur Heart J. 2009; 30: 2631–2671.

2.  Hedrich O, et al. IN: Grubb. Syncope- Mechanisms and management, 2005.

3.   Maron BJ, Gohman TE,Aeppli D. Prevalence of sudden cardiac death during competitive sports

activities in Minnesota high school athletes. J Am Coll Cardiol. 1998;32:1881–1884.

4.   Colivicchi F, Ammirati F, Santini M, Epidemiology and prognostic implications os syncope in young

competing athletes. Eur Heart J. 2004;25:1749-53.

5.  Exercise-related syncope: are athletes different  from sedentary subjects? Eur Heart J. 2002; 23:

1080–1082.

6.  Alboni P, Brignole M, Menozzi C et al. The diagnostic  value of history in patients with syncope with or

without heart disease. J Am Coll Cardiol. 2001; 37: 1921–28.

7.  AHA/ACCF Scientific Statement on the Evaluation  of Syncope. – Circulation. 2006;113:316-327.

8.  Miller TH, Kruse JE. Evaluation of Syncope. Am Fam Physician. 2005;72:1492-500.

9.  Link MS, Estes M III. How to manage athletes with syncope.Cardiol Clin. 2007;25:457-466.

10.  Meneguelo RS, Araújo CGS, Stein R, Mastrolla LE,Albuquerque PF, Serra SM et al. III Diretrizes da

Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Teste Ergométrico. Arq Bras Cardiol. 2010;95(5 supl.

1):1-26.

11.  Fletcher GF, Mills WC, Taylor WC. Update on Exercise Stress Testing. Am Fam Physician. 2006; 74:1749-54.

12.  Goldschlager N, Epstein AE, Grubb BP, Olshansky  B, Prystowsky E, Roberts WC, Scheinman MM.

Etiologic Considerations in the Patient With Syncope and an Apparently Normal Heart. Arch Intern Med. 2003;163:151-162.

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