“The effect of metoprolol and aspirin on cardiovascular risk in bereavement: A randomized controlled trial”, de Geoffrey H. Tofler e colaboradores (doi.org/10.1016/J.AHJ.2019.11.003).
Perder alguém é a experiência mais dolorosa que praticamente todos nós iremos vivenciar em nossas vidas. O luto gera sentimentos de ansiedade, indignação, raiva, solidão ou tristeza profunda que podem durar semanas, meses, anos… Todas essas emoções repercutem em nosso corpo, aumentando o estado de alerta, a frequência cardíaca, a pressão arterial e até fatores prócoagulantes que parecem se correlacionar com risco aumentado de eventos cardiovasculares.
Mas será que existe alguma forma de amortecer esses efeitos sem interferir na elaboração do luto? A hipótese de que medicamentos poderiam reduzir a descarga de adrenalina e melhorar a
circulação em pacientes vivenciando o luto foi testada em um estudo publicado esse mês no American Heart Journal. O estudo australiano se chama “The effect of metoprolol and aspirin on cardiovascular risk in bereavement: A randomized controlled trial”, de Geoffrey H. Tofler e colaboradores (doi.org/10.1016/J.AHJ.2019.11.003).
O que é o luto?
O luto se refere à constelação de emoções relativas à perda de uma pessoa que amamos ou que de alguma forma era importante para nós. O processo de luto pode se iniciar antes mesmo do falecimento, mediante a instalação de um quadro de invalidez permanente ou o diagnóstico de uma doença terminal. Nesse cenário, tanto o paciente quanto a família podem vivenciar sentimentos de negação, raiva, barganha e depressão até a aceitação de sua condição ou da morte da pessoa amada. O luto não é sinônimo de depressão, mas uma reação natural à percepção da temporalidade da vida e à ruptura de relações de afeto. Ideação de culpa e inutilidade, pensamentos recorrentes de morte, déficit cognitivo e perda funcional são sinais de alerta para o desenvolvimento ou agravamento de um transtorno depressivo.
O luto pode aumentar o risco cardiovascular?
Sim. Diferentes estudos tem demonstrado um risco aumentado de morte por causas cardiovasculares em até seis meses de luto, com pico de incidência de infarto agudo do miocárdio no primeiro dia da perda. Por sete a trinta dias o risco de infarto não-fatal se mantem quatro vezes maior do que o risco das pessoas em geral.
Qual é a proposta do estudo?
Demonstrar se a administração de metoprolol com aspirina é eficaz na redução de risco cardiovascular nessa população. Essas medicações atuam em mecanismos relacionados à inflamação, à descarga de adrenalina e à ativação da cascata da coagulação, fatores deflagradores de eventos isquêmicos como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico.
O estudo avaliou desfechos duros como morte e infarto?
Apesar do desenho do estudo ser interessante para avaliação de terapias na prevenção de doenças (ensaio clínico randomizado, duplo-cego, com placebo), foram definidos desfechos primários substitutos. A intervenção proposta foi capaz, como já se imaginava, de reduzir a frequência cardíaca, a pressão arterial sistólica e a ativação plaquetária durante doze semanas de acompanhamento clínico. Mas não sabemos se isso se traduziu em menos morte por infarto e derrame porque esse desfecho não foi avaliado.
O estudo poderá mudar a prática clínica?
Na verdade não. O que se sabe é que uma abordagem integral à pessoa em sofrimento é muito importante. Essas pessoas precisam de acolhimento por uma equipe multiprofissional. Quanto ao risco cardiovascular, vale uma estratificação adequada de acordo com as diretrizes vigentes, controle de comorbidades e intervenções orientadas por sintomas ou eventos. A psicoterapia e, em casos selecionados, a avaliação por um psiquiatra é interessante para o diagnóstico e tratamento de transtorno depressivo, estresse pós-traumático (particularmente aqueles expostos à unidade de terapia intensiva e também que vivenciaram grandes traumas) ou de outras condições já previamente conhecidas ou latentes.
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