O uso das duas artérias mamárias melhora o resultado da cirurgia de revascularização miocárdica em 10 anos?

Fernando Bassan

A patência das pontes ao longo do seguimento de pós-operatório de revascularização miocárdica é uma preocupação permanente. Cerca de 50% das pontes venosas (safena) encontram-se ocluídas em 10 anos, enquanto que as pontes arteriais (mamária e radial) evoluem melhor, com taxa de oclusão de 10% em 10 anos. Estudos observacionais ratificavam esta premissa, demonstrando que os pacientes que recebiam mais pontes arteriais possuíam menor mortalidade evolutiva.

Assim, em 2019 foi publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) o estudo multicêntrico e randomizado ART TRIAL (Arterial Revascularization Trial Investigators), que avaliou se o uso das duas artérias mamárias é superior a estratégia de mamária esquerda única, em pacientes submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica (CRVM). Cabe lembrar que este estudo foi previamente publicado em 2016 com os resultados de 5 anos de seguimento e que à época não mostraram benefícios. Justamente por acreditar que os benefícios de múltiplas pontes arteriais seriam demonstrados tardiamente, os pesquisadores continuaram o seguimento com a publicação desta análise agora com 10 anos de seguimento.

Foram randomizados 1548 pacientes para CRVM que foram submetidos a revascularização com enxerto de dupla mamária e 1554 pacientes para mamária única. Caso necessário, pontes venosas adicionais de safena e de artéria radial poderiam ser realizadas.  Os critérios de inclusão foram pacientes com doença coronariana multivascular encaminhados a CRVM. Os pacientes com infarto agudo em desenvolvimento, com CRVM prévia, lesão orovalvar com indicação cirúrgica ou com doença uniarterial foram excluídos do estudo.

Ao final do seguimento, não houve diferença tanto na mortalidade entre o grupo mamária dupla e mamária única (20.3 vs.21.2% – p=0.62), quanto no desfecho composto por morte, infarto e AVC (24.9 vs. 27.3%).

Por sua vez, uma maior taxa de complicações de ferida operatória esternal foi mais prevalente no grupo de mamária bilateral (3.5 vs. 1.9% – p=0.005), assim como a necessidade de reconstrução de esterno (1.9 vs. 0.6% – p=0.002).

Algumas questões técnicas cirúrgicas podem ter impactado os resultados do estudo. No grupo randomizado para receber pontes de dupla mamária, 13.9% acabaram recebendo somente uma mamária e 19.4% dos pacientes também receberam ponte de artéria radial.

No grupo alocado para mamária única, 3.9% dos pacientes receberam enxerto de mamária dupla, bem como 21.8% receberam ponte adicional de artéria radial.

Quando o resultado do estudo é interpretado como “as treated”, um benefício de mortalidade passa a ser sugerido para o grupo que recebeu mamária dupla (18.6 vs. 23.1% – HR 0.81; IC 95%:0.68-0.95).

Concluindo, esperava-se que este estudo pudesse corroborar os dados observacionais prévios, quanto ao benefício das duas pontes arteriais. A grande heterogeneidade entre as equipes e planejamento cirúrgicos, em que um percentual significativo de pacientes acabou recebendo um tratamento diferente do alocado na randomização, bem como o alto número de pontes radiais nos dois grupos, pode ter interferido no resultado final. A análise “As treated” apesar de não poder ser encarada como o resultado oficial do estudo pelo viés de seleção, sugere que a discussão não está encerrada. Por fim, os dados de complicações são importantes, pois reforça que o uso de mamária dupla pode aumentar em 2 a 3 vezes o risco de complicações de ferida operatória esternal. Em pacientes com maior risco de mediastinite como os DPOC, obesos e diabéticos, a escolha desta estratégia merece uma prévia reflexão.

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