Fiódor Dostoiévski
– editora 34 – edição de bolso: L&PM
Uma das minhas poucas promessas cumpridas desse ano foi ler aquelas que são consideradas pela maioria dos críticos as quatro grandes obras de Dostoiévski, autor russo que viveu de 1821 a 1881: “O idiota”, “Os irmãos Karamazóv”, “Os demônios” e “Crime e castigo”, que foi a que mais gostei.
“Crime e castigo” foi publicado em 1866 alcançando sucesso imediato, com traduções em apenas cinco anos para inglês, francês, alemão e italiano. De forma bem resumida: um estudante de direito, Raskolnikov, em dificuldades financeiras resolve matar uma velha usurária, que nada de bom fazia a ninguém, se justificando, do ponto de vista filosófico, da propriedade de sua ação: ele, uma pessoa de inteligência superior, eliminando uma pessoa nociva e inútil. Tudo parece perfeito, mas tudo falha. Capturado não pela polícia mas pela sua consciência, as discussões filosóficas entre Raskolnikov e o comissário de polícia Porfiri Petrovitch estão entre as páginas mais interessantes do livro.
Uma galeria de personagens do romance são difíceis de esquecer, em particular: Sônia Semenovna, prostituta, que salvará Raskolnikov e Porfiri Petrovitch, comissário de polícia, inteligente, que sabe a verdade não pelos fatos mas pela escuta que faz de Raskolnikov.
Alguns dados da biografia do autor valem a pena ser citados: seu pai era médico militar, tendo sido assassinado por servos de sua propriedade rural. Dificuldades financeiras acompanharam Dostoiévski por toda vida e chegou a tomar emprestado dinheiro a 120% de juros ao ano (talvez esse fato tenha contribuído para a escolha do homicídio de uma usurária 20 anos depois em “Crime e castigo”). Embora não pudesse ser considerado um revolucionário (muito pelo contrário, era conservador), por fazer parte da juventude intelectual oposicionista ao czar, foi preso em 1849 sendo condenado à morte, após 7 meses de interrogatórios. Em dezembro desse mesmo ano, Dostoiévski e seus companheiros foram levados para a execução. Quando os primeiros três condenados já estavam amarrados a um poste e diante do pelotão de fuzilamento, com Dostoiévski à espera de sua vez, chega uma mensagem do czar que transforma a pena capital em um indulto: 10 anos de trabalhos forçados na Sibéria. Esse período na Sibéria inspirou seu livro “Recordações das casas dos mortos”.
Um fato interessante sobre “Crime e castigo” é que ele foi realizado sob encomenda, para pagamento de dívidas urgentes, principalmente dívidas de jogo e, quando de sua publicação, o autor provavelmente não tinha ideia de que havia escrito uma das maiores obras da literatura universal, com influência literária e humana em muitos outros romances e dramas.
Nas palavras do crítico Arnold Hauser: “Dostoiévski descobre o mais importante princípio da psicologia moderna: a ambivalência dos sentimentos e a natureza dividida de todas as atitudes espirituais…Não só o amor e o ódio, mas também orgulho e humildade, vaidade e auto-humilhação, crueldade e masoquismo, o anseio do sublime e a `nostalgia da torpeza` estão interligados em seus personagens”
“Crime e castigo” foi para mim leitura muito instigante, pela profunda atualidade e intensa e rica descrição psicológica dos personagens, em especial do “herói” Raskolnikov.
Por Dra. Ana Mallet