Novas pesquisas revelam que alterações da duração e da qualidade do sono podem determinar doença cardiovascular e aumento da mortalidade.
“Tão fiel fui ao glorioso ofício que perdi o sono e a saúde”
Os médicos estão entre os profissionais que cursam com as mais altas taxas de distúrbios do sono, incluindo menor duração, distúrbios da qualidade, da continuidade e até privação do sono. Recentes estudos têm revelado que essas condições se correlacionam com maior incidência de doenças cardiometabólicas, mortalidade cardiovascular e mortalidade total 1.
Novas pesquisas demonstram que alterações da quantidade e da qualidade do sono podem gerar um estado pró-inflamatório, ativando substâncias como o fator de necrose tumoral, interleucinas 1, 6 e 17, PCR, visfatina, moléculas de coagulação e de adesão celular, além de promoverem mudanças na produção de grelina/leptina – levando a um aumento da ingestão calórica, obesidade e controle glicêmico deficiente, aumento da secreção de cortisol e alterações na produção do hormônio de crescimento, que, entre outros mecanismos ainda não plenamente esclarecidos, podem desenvolver doenças 1.
Curiosamente, tanto o sono de curta como o de longa duração têm aspectos negativos. A relação do sono com a mortalidade ocorre em forma de “U”, sendo o maior risco encontrado para curtos e longos períodos médios de repouso, enquanto um menor risco ocorre em indivíduos que dormem, em média, entre 7 e 8 horas. Assim, o sono curto (6 horas ou menos) e o longo (9 horas ou mais) associam-se com mais altas taxas de mortalidade, mesmo depois de ajustes para outras variáveis. Em idosos, o aumento da mortalidade tem sido associado mais com períodos de sono longo do que de curta duração.
Uma meta-análise incluindo 16 estudos publicados entre 1993 e 2009 avaliou o risco de morte por todas as causas, apontando um risco relativo (RR) de 1,12 (IC 95% 1,06-1,18) para o sono curto e RR de 1,30 (IC 95% 1,22-1,38) para o longo sono. Um estudo prospectivo de 12 anos, envolvendo 20.432 indivíduos, sem história de doença cardiovascular, demonstrou que, em comparação com pessoas que dormiam 7a 8 horas, o sono de curta duração aumentou em 15% a incidência de doença cardiovascular total (razão de chance/HR, de 1,15, IC 95% 1,00-1,32) e elevou em 23% o risco de doença arterial coronariana (HR de 1,23, IC 95% 1,04-1,45). Em uma outra série, os resultados foram ainda mais surpreendentes. O sono de curta duração relacionou-se com um risco 63% maior de doenças cardiovasculares (HR de 1,63, IC 95% 1,21-2,19) e 79% maior de doença arterial coronariana (HR de 1,79, IC de 95% 1,24-2,58).
Em resumo, a duração e a qualidade insuficientes de sono, independentemente de suas causas, têm forte associação com o aumento do risco de mortalidade, principalmente por doenças cardiovasculares.
1) Grandner MA, Sands-Lincoln MR, Pak VM, Garland SN. Sleep duration, cardiovascular disease, and proinflammatory biomarkers. Nature and Science of Sleep 2013:5 93–107.
Por Marcus Vinícius Bolívar Malachias
MD, PhD, cardiologista clínico, professor da Faculdade de Ciências Médicas de MG e Candidato à Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia/eleições 2014. Acesse marcus2014.com.br e saiba mais