Meu coração\ não sei por que\bate feliz\quando te vê…”. Assim como Pixinguinha, vários poetas e compositores descrevem a influência das emoções sobre o coração. Embora a linguagem poética não tenha necessariamente um compromisso com a ciência, essa relação traçada pelos artistas não é uma coincidência sem fundamento. Sentimos no peito o efeito das paixões, alegrias, tristezas, frustrações e medos. A depressão e a ansiedade têm como manifestações comuns desconfortos em forma de dores no peito ou palpitações. Não é de se estranhar que o conhecimento popular acredite que o estado emocional pode ser causa de doenças cardíacas.
Embora pareça desvantajoso numa análise superficial, existem motivos para que o corpo desenvolva as reações orgânicas do estresse mental. Nessas situações o organismo remaneja as fontes de energia de forma que estas fiquem rapidamente disponíveis em uma situação hipotética de agressão, a chamada reação de “luta ou fuga”. Isso permite uma reação rápida, mesmo quando não estávamos preparados para tal. O desconforto psicológico nos impele a buscar soluções para minimizar os riscos e age como um mecanismo protetor que é essencial para a sobrevivência em um mundo perigoso.
Alguns argumentam que expressar a raiva, em vez de segurá-la, é melhor para o coração. Isso não tem comprovação científica. Gritar pode fazer você se sentir melhor por um momento, mas provavelmente vai expô-lo nos seus relacionamentos ou no ambiente profissional – levando a mais estresse e raiva. A estratégia mais eficaz inclui evitar situações que desencadeiam a raiva, e gerenciar os sentimentos negativos quando eles ocorrerem. Pessoas que se aborrecem facilmente são frequentemente pessimistas, e pessimismo é ruim para o coração. Em um estudo observacional de cerca de 100.000 mulheres, aqueles com uma disposição pessimista, cínico desenvolvido doença cardíaca coronária mais, teve mais ataques cardíacos, e morreu mais cedo do que os otimistas.
Parece fácil sugerir que o estresse seja evitado, mas nem sempre essa é uma tarefa fácil. Ninguém está livre de tristezas, angústias ou surpresas desagradáveis. A postura pessoal e a forma como vivenciamos internamente esses sentimentos determinam a intensidade e o efeito das nossas emoções sobre nosso corpo. A percepção pessoal da realidade é interpretada de acordo com os filtros emocionais de cada um e é o que determina a sensibilidade afetiva. Por isso algumas pessoas sentem-se mais angustiadas que outras em situações semelhantes. Quando então o estresse começa a fazer mal? À medida que aumenta o nível de estresse, somos capazes de disparar inconscientemente ajustes comportamentais para tolerar, modificar ou afastar a fonte de estresse. Existe, no entanto, um limiar de tolerância onde a efetividade do ajuste comportamental é menor e a tensão emocional manifesta-se como ansiedade. Quando o nível de estresse aumenta muito, chega-se a um ponto onde a capacidade de adaptação se esgota e a relação passa a ser inversa, isto é, quanto mais estresse, pior a capacidade de adaptar-se. Nesse momento, as manifestações orgânicas do estresse são mais intensas, todas orquestradas pelo sistema nervoso autônomo.
Esta parte do sistema nervoso é a responsável pelo funcionamento inconsciente dos órgãos. É constituído pelo sistema simpático e o parassimpático que funcionam conjuntamente, muitas vezes de forma antagônica, na coordenação das funções viscerais. A ativação do sistema simpático leva à liberação da adrenalina que terá uma resposta imediata sobre o sistema cardiovascular, aumentando a frequência cardíaca, a força de contração do coração e a pressão arterial. Esses efeitos fazem com que muitas vezes os batimentos cardíacos se tornem perceptíveis sentindo-se como fortes batidas no peito, tremor nas mãos, extremidades frias. Na maior parte das vezes este é um efeito natural das emoções e o ritmo cardíaco é normal. Em algumas situações, particularmente se a emoção for intensa o suficiente, os batimentos cardíacos podem ser anormais. Isso acontece porque células que compõem o músculo cardíaco são particularmente sensíveis à adrenalina e às vezes despertam focos geradores de arritmias. O estresse pode também desencadear manifestações de outros problemas cardíacos como doença isquêmica (angina e infarto) e descompensar insuficiência cardíaca em cardiopatas. É importante que a pessoa portadora de doenças cardíacas esteja com o tratamento em dia e informado sobre o potencial de piora em situações de tensão emocional.
Existem evidências suficientes para considerar a ansiedade como um fator de risco potencial para doença coronariana, enquanto que as de raiva ou depressão ou é mais limitado ou mais controverso.. Em um estudo observacional de 50.000 homens suecos com idade de 18 – a 20 anos, observou-se que naqueles com altos níveis de ansiedade houve aumento substancial do risco de desenvolver doença cardíaca coronária durante os próximos 37 anos. Uma meta-análise recente que incorporou 20 estudos e quase 250 mil pessoas, também descobriu que a ansiedade está associada ao desenvolvimento de doença coronária.
Os resultados dos diversos estudos sugerem que uma análise mais aprofundada dessas emoções como fatores de risco para doença arterial coronariana está claramente justificada. Com a disponibilidade de provas convincentes, a consideração de possíveis intervenções pode ser um próximo passo importante. A compreensão da relação entre doenças psicossomáticas e cardíacas só pode avançar através da colaboração multidisciplinar entre pesquisadores psicossomáticos, epidemiologistas e cardiologistas clínicos. Questões relacionadas com a prática assistencial, tais como a forma como devemos intervir (psicoterapia? aconselhamento? drogas?), ou a quem devemos oferecer intervenção (pacientes clinicamente ansiosos? entre oligossintomáticos? indivíduos subclínicos?) só podem ser respondidas através da integração teórica de pesquisa psicológica sobre as emoções com a teoria e prática da medicina clínica. É possível que, em algum momento no futuro próximo, as emoções negativas terão o mesmo status de outros fatores de risco coronariano estabelecidos (tais como o tabagismo ou obesidade) nas práticas de triagem de cardiologistas. Na verdade, uma abordagem verdadeiramente global para prevenir a doença coronária, no século 21 pode depender dela.