Eufrásio Pamplona sempre foi avesso às doenças. Se as tinham, era como não as tivessem. Não tomava conhecimento delas. Achava que não encontrando bom acolhimento, iriam cantar em outro poleiro. Assim, foi acumulando pequenas mazelas, que, somadas, causavam-lhe razoável desconforto. Eufrásio achava mais fácil se acomodar ao desconforto, que enfrentar a aporrinhação do tratamento.
Nunca fora a um médico, visto não acreditar neles. Achava que, como viviam da desgraça alheia, não tinham interesse em curá-la. Passava ao largo dos consultórios. Também não acreditava na eficácia da medicina caseira, com seus ungüentos, poções e restrições alimentares. Achava mesmo que doença era para ser empurrada para baixo do tapete e esquecida.
Com a idade, foram-se as pequenas mazelas, que acabavam por melhora espontânea, dando lugar às mais cabeludas, onde não havia poção que fizesse efeito. E não vinham só, as danadas! Parecia que uma puxava a outra, o corpo se transformando numa caixa de marimbondos, onde mexendo aqui, respondia ali.
Certa manhã, aconteceu o inesperado: Eufrásio, que não tivera a noite das melhores, permaneceu deitado, o que não lhe ocorria desde a primeira comunhão. Nem sentado conseguiu ficar. O mundo acordou rodando e o rabo deu sinal de sua graça, enchendo o penico, que trazia sempre debaixo da cama, uma exigência da próstata. Gases eram poucos, mas esse pouco empestiou a casa. Doutor Catundra deveria ser chamado, mas o doente discordou com tamanha veemência que resolveram tratá-lo em casa, com as mezinhas de sempre, porém mais reforçadas.
Pela primeira vez, desde a primeira comunhão, passou o dia deitado e o dia seguinte também, para desespero dos familiares, não afeitos a essas estranhezas. Não podendo contar com a sapiência dos médicos, nem com a experiência dos entendidos e muito menos com o palpite dos curiosos, optou-se por esperar a evolução natural do desarranjo. Foi deixado a sós, à espera que o tempo desvendasse o mistério.
Sozinho no quarto escuro, Eufrásio permanecia atento a qualquer sinal do corpo que lhe desse alguma pista. Não sentia dor, nem fraqueza. Um leve enjôo e o desarranjo intestinal tomando conta do penico. Procurou fazer um mapa de onde andou comendo, pois a desgraça parecia ligada à alimentação. Estava ainda a organizar a lista por onde passara a gula quando Zulmira, a esposa ciumenta, entrou no quarto com o chicote na língua:
-Sabe quem está com uma diarreia igual a sua? Dona Gertrudes Lampadosa! O que prova que comeram no mesmo coxo!
Diante de prova tão evidente de traição, reuniu-se a família e houveram por bem deixar como está para ver como é que fica.
Gertrudes, com a sapiência do doutor Catundra, levantou-se no terceiro dia. Eufrásio permaneceu enchendo penicos, sentindo a morte de perto, sorrindo-lhe, e só não bateu as botas por não ter chegado a sua hora.
Ainda viveu o bastante para chorar, muito tempo depois, a perda da amante, vítima da exuberância médica, que lhe causou fatal intoxicação medicamentosa.
Foi o que mais durou na família. Deixou para o único sobrinho uma fortuna razoável, amealhada entre as economias que fez não pagando médicos e não dando bola para as doenças.
Por José Manoel Gorgone de Oliveira