O Teste Ergométrico na avaliação do risco cirúrgico em cirurgias não cardíacas

 

Fernando Cesar de Castro e Souza

Serviços de Ergometria do Instituto Nacional de Cardiologia e do Hospital Pró-Cardíaco.

 

Avaliações de risco cirúrgico em geral fazem parte da rotina de todo cardiologista clínica na atualidade. A primeira classificação foi elaborada pela Sociedade Americana de Anestesiologia em 1963 e utilizava apenas a variável do estado geral do paciente1. Goldman e colaboradores em 1977 publicaram o primeiro escore de risco cardíaco, que foi o primeiro a examinar as variáveis eletrocardiográficas2. Na década de 90, com o surgimento da Medicina Baseada em Evidências, o risco cirúrgico também passou a ser contemplado com diretrizes e o Teste Ergométrico foi incluído nas avaliações de pacientes selecionados. A mais recente diretriz, que é a americana de 2007, toma por base o porte da cirurgia lastreado na quantidade de perda sanguínea prevista e o risco de mortalidade segundo a mesma, junto com risco do paciente baseado em alguns preditores clínicos3. As tabelas 1 e 2 resumem as duas situações.

 

Baixo Risco (<1%) Moderado Risco (1% a 5 %) Alto Risco (>5%)
Procedimentos endoscópicos, superficiais ou ambulatoriais.Cirurgia de catarata.

Cirurgia da mama sem

invasão intratorácica.

 

Cirurgia intratorácica ouintraperitoneal.

Cirurgia de cabeça ou pescoço.

Cirurgia ortopédica.

Cirurgia da próstata.

 

Cirurgia aórtica.Cirurgia vascular em geral.

 

Tabela 1. Classificação do risco das cirurgias eletivas não cardíacas.

 

Preditores menores Preditores intermediários Preditores maiores
Idade > 70 anos.ECG anormal.

Ritmo que não sinusal.

HAS não controlada.

História de doença coronária,de insuficiência cardíaca ou de

acidente vascular encefálico.

Diabete Melito.

Ins. Renal (creatinina > 2mg%).

Sínd. Coronariana aguda.ICC descompensada.

Valvopatias graves.

Arritmias significativas

(ventriculares complexas,

supraventriculares com alta FC, e

bloqueios AV avançados).

Tabela 2. Preditores clínicos de risco para cirurgias não cardíacas.

 

Daí fica claro que ocorrem nove tipos possíveis de combinações de porte cirúrgico e preditores clínicos a nortear a necessidade da realização de exames complementares que vai desde nenhum nas cirurgias de baixo risco até exames altamente complexos na combinação de cirurgia de alto risco e paciente com preditores maiores. Em relação ao Teste Ergométrico essa diretriz recomenda o seu uso como na tabela 3. A capacidade funcional definida como baixa é aquela que indica a incapacidade de realizar pelo menos 4 MET, que é a estimativa do gasto metabólico em uma cirurgia e pode ser inferida através de perguntas ao paciente como “é capaz de subir escadas ou um pequeno morro, caminhar no plano a 6,5 km/h e fazer uma curta corrida?”. Uma negativa a qualquer uma dessas perguntas já coloca o paciente como de baixa capacidade funcional.

 

Classe I (indicado) Pacientes com preditores maiores de risco, após estabilização.
Classe IIa (provavelmente útil) Pacientes com 3 ou mais preditores quaisquer de risco e baixacapacidade funcional, que irão à cirurgia de alto risco.
Classe IIb (possivelmente útil) Pacientes com 1 ou 2 preditores quaisquer de risco e baixacapacidade funcional, que irão à cirurgia de médio risco.

Pacientes com 1 ou 2 preditores quaisquer de risco e satisfatória

capacidade funcional, que irão à cirurgia de alto risco.

Classe III (não indicado) Pacientes que irão à cirurgia de baixo risco.Pacientes sem preditores de risco que irão à cirurgia de médio

risco.

Tabela 3. Indicações do TE na estratificação do risco cirúrgico.

Mas o que fazer com o resultado do Teste Ergométrico? As duas variáveis mais analisadas são a capacidade funcional medida, que quando abaixo de 4 MET aumento o risco relativo de morte 1,8 (0,9– 3,5) e a presença de isquemia miocárdica, que o aumenta em 2,4 (1,3–4,2)4. A presença de isquemia também deve ser quantificada para uma melhor opção da próxima conduta a ser indicada5, 6. conforme a tabela 4.

 

Grau daIsquemia: Caracterização: Sugestão: 
Isquemialeve Isquemia induzida por alta carga de esforço (> 7 MET) ou em FC entre > 130 bpm ou em mais de 85% da FCmáx predita, em que haja:

  • Infradesnível do ST horizontal ou descendente > 1mm em 1 ou 2 derivações, no máximo.
Considerarbetabloqueador
Isquemiamoderada Isquemia induzida por moderada carga de esforço (4 a 6 MET) ou em FC entre 100 e 130 bpm ou entre de 70 e 85% da FCmáx predita, em que haja qualquer achado abaixo:

  • Infradesnível do ST horizontal ou descendente > 1mm em 3 ou 4 derivações, no máximo.
  • Isquemia persistente por 1 a 3 minutos na recuperação, no máximo.
Considerarcoronariografia
Isquemiagrave Isquemia induzida por baixa carga de esforço (< 4 MET) ou em  FC < 100 bpm ou em menos de 70% da FCmáx predita, em que  haja qualquer achado abaixo:

  • Infradesnível do ST horizontal ou descendente > 1mm em 5 ou mais derivações.
  • Isquemia persistente por mais de 3 minutos na recuperação.
  • Angina típica.
  • Queda sistólica intra-esforço ³ 10 mmHg.
Considerarrevascularização

miocárdica

Tabela 4. Caracterização da gravidade da isquemia miocárdica induzida pelo Teste Ergométrico.

 

Vale sempre ressaltar a importância que tem o médico que executa o Teste Ergométrico em aplicar um protocolo de exame que ajude a determinar a real capacidade funcional do paciente e de analisar amplamente os achados relacionados à presença de isquemia miocárdica ao exercício de modo a auxiliar o cardiologista clínico e toda a equipe cirúrgica a equacionar a melhor estratégia para cada paciente.

 

 

Referências bibliográficas:

  1. American Society of Anesthesiologists: New Classification of Physical Status. Anesthesiology 1963;24:111.
  2. Goldman L, et al: Multifactorial Index of Cardiac Risk in Noncardiac Surgical Procedures. N Engl J Med 1977;297:845-50.
  3. Fleisher LA, et al. ACC/AHA 2007 Guidelines on perioperative Cardiovascular evaluation and care for noncardiac surgery. Circulation 2007;116:e418-e500.
  4. Mukherjee D and Eadle KA. Perioperative cardiac assessment for noncardiac surgery. Circulation 2003;107:2771-74.
  5. Gregoratos G. Are the current perioperative risk management strategies for miocardial infarction flawed? Circulation 2008;117:3134-44.
  6. Poldermans D, Hoeks SE and Feringa HH. Pre-operative risk assessment and risk reduction before surgery. J Am Coll Cardiol 2008;51;1913-24.
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