Restava apenas uma hora para encontrar um conto ou crônica que levaria ao almoço de confraternização de Natal dos amigos escritores que se reuniam anualmente para um concurso literário informal em um restaurante da zona sul.
Sai pela casa à procura de algum conto ou crônica que já houvesse escrito. Procurei aqui, acolá, vasculhei armários, gavetas, envelopes, pastas e nada….
Eram tantos papéis que o único pensamento que me passou pela cabeça era como seria bom ter uma harpa e um palito de fósforo…
Onde estaria o conto do “Peru Sóbrio”?. Aquele em que o peru no corredor da morte na ante véspera do seu passamento, compartilha com seu algoz a cachaça e ao contrário do esperado, o algoz se embriaga e cai dormindo, e o peru sobrevive triunfante, driblando sua triste sina,
Onde estaria a crônica natalina cristã- erótica: “O Natal chegou e você não veio comer noz”?
Talvez, esse não fosse adequado, poderia parecer uma catarse, um ato falho.
Onde teria guardado o conto sobre “ O Bom Velhinho”? . O velhinho foge do asilo, pratica um assalto desarmado a um supermercado e uma padaria e com isso faz um Natal maravilhoso cheio de quitutes proibitivos para os seus amigos centenários de asilo, diabéticos e com colesterol elevado e depois esquece-se do fato porque tinha Alzheimer ?
Não sei….não tenho a mínima idéia onde guardei os textos, nem lembro…
Lembrei-me de outro conto: “O Assassinato das Calcinhas Vermelhas “ onde uma viúva mineira da cidade de Tiradentes, após libido não correspondida pelo parceiro mineiro tímido e recatado , resolve cortar em pedacinhos as calcinhas que ganhara de presente dele e jogá-las da janela do apartamento na Avenida Nossa Senhora de Copacabana sobre os perplexos transeuntes que passavam sem nada entender….
Sim, eu era uma pessoa privilegiada, possuía muitas amigas analistas, para ter que submeter os meus colegas de profissão a esse martírio literário graciosamente. Eles não mereciam isso! Não, nenhum era digno de ser lido. Qualquer um deles macularia minha honra….
Pelas barbas do profeta Mohamed! Começo a descobrir que eu estou ficando esquecida…. Esqueci de tomar o remédio da pressão de manhã, esqueci onde estavam os bicos de confeitagem para decorar a torta, esqueci onde guardei os meus textos . Ou se será que já tomei meu remédio? Começo a achar que deveria fazer palavras cruzadas para melhorar a memória. Onde estaria o telefone do meu clínico? Esqueci também…
O melhor a fazer é escrever uma crônica nova, sentei e escrevi essa. Olho o relógio e já estou quase perdendo a hora do almoço! Vou chegar atrasada…. Como chego até lá mesmo?Ai meu Deus ! Esqueci …
Opinião Patricía Fuentes: Que crônica linda. Ela celebra o gênero, é meta-linguagem, meta-ficção! Uma crônica sobre as crônicas, dentro de uma crônica maior: urgente, atual e cotidiana. Está de parabéns,é merecido, Muito carinho e champanhe.
Por Rosiclélia Matuk