Como ajudar seu paciente a parar de fumar?
Aline Sardinha – Doutora em Saúde Mental (IPUB/UFRJ). Presidente da Associação de Terapias Cognitivas do Rio de Janeiro (ATC-Rio). Psicóloga Clínica e Coach de saúde. Autora do site www.pilulasdebemestar.com.br
Em função do sucesso das políticas públicas implementadas nos últimos anos, em diversos âmbitos, alertando sobre os riscos do tabagismo, a cada dia, mais fumantes relatam saber dos males causados pelo cigarro e da necessidade de abandoná-lo. A figura do médico é muito importante para orientar o paciente a abandonar o tabagismo. Entretanto, as estatísticas mostram que apenas uma pequena parcela dos pacientes consegue abandonar o vício definitivamente sem nenhum tratamento específico, somente com o aconselhamento médico. Não se sabe ainda que fatores medeiam o sucesso nestes casos. Tais fatores não parecem, contudo, influenciar os hábitos da grande maioria dos tabagistas que desejam parar de fumar. A modificação de crenças a respeito do tabagismo, as razões lógicas para deixá-lo e a vontade declarada do paciente não parecem ser determinantes para a cessação do tabagismo. Ao contrário do senso comum, as pesquisas mostram que a força de vontade – a determinação de modificar um comportamento baseada em argumentos lógicos – não é um elemento importante, muito menos essencial, para o abandono do cigarro(1).
Para ajudar um paciente a abandonar definitivamente o fumo, é preciso uma intervenção especializada, especificamente voltada para o processo de parada de fumar e manutenção da abstinência (2). A psicologia tem uma série de ferramentas que podem ajudar nesse sentido. Mais especificamente, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é um método de psicoterapia baseado em pesquisas científicas e comprovadamente eficaz para diversos transtornos psiquiátricos que tem se mostrado altamente eficaz no combate ao Tabagismo. Por este motivo, a TCC e é a abordagem de psicoterapia recomendada pelo Ministério da Saúde para a cessação do tabagismo (3, 4).
O tratamento para parar de fumar costuma ser de curta duração, com um número limitado de sessões, focado na redução gradual do consumo de cigarros. Ao mesmo tempo em que reduz o número de cigarros fumados por dia, o paciente aprende estratégias para enfrentar os sintomas de abstinência, para desfazer os mecanismos comportamentais relacionados ao hábito de fumar, a administrar as emoções negativas advindas do processo de parada e a prevenir recaídas (3, 4).
O processo de parada de fumar é composto, basicamente, de três fases: preparação, retirada gradual e manutenção (5). No estágio de preparação, o paciente é instruído sobre os males causados pelo cigarro, sobre as etapas do tratamento e sobre o que esperar do processo de parada de fumar. Além disso, é feita uma avaliação do estado psicológico do paciente, do grau de dependência da nicotina e do seu estado motivacional para abandonar o cigarro. Esta avaliação é importante, pois permite traçar um plano de tratamento individualizado, adequado às necessidades de cada paciente, potencializando os resultados da terapia (5).
Durante muitos anos, a psicologia entendeu a tomada de decisão como um processo mediado por fatores cognitivos – razões lógicas que nos fazem optar por uma decisão ou outra – e/ou desejos inconscientes, que não seriam passíveis de modificação for fatores externos e que operavam, na maior parte do tempo, à revelia do indivíduo e, consequentemente, dos profissionais de saúde que o assistiam. A motivação era vista como uma condição estável, que ocorreria a priori, possibilitando a mudança de comportamento. Nesse cenário, o papel do psicoterapeuta estava limitado a fornecer informações e argumentos racionais que embasassem a decisão de parar de fumar e ajudar com técnicas de mudança de comportamento (6).
Os tempos modernos trouxeram para a psicologia a ideia, cada vez mais embasada empiricamente, de que a tomada de decisão é, essencialmente, um processo governado pela emoção (7). Entretanto, ao contrário de antes, entende-se que a emoção que embasa a tomada de decisão é processada conscientemente. Destaca-se deste novo conceito a ideia de motivação como processo, bem como a necessidade de se trabalhar com a valência emocional atribuída ao comportamento a ser alterado. Assim, a ambivalência deixa de representar um entrave ao tratamento, para se tornar parte necessária do processo de tomada de decisão e, consequentemente, passível de intervenção (6). Ao entendermos a motivação como um processo, fica implícito que esta sofrerá variações ao longo do tempo. Nesse sentido, ao invés de considerarmos o quanto um paciente está ou não motivado para mudar, parece mais interessante avaliar em que estágio do processo de motivação para a mudança este se encontra para, então, planejar a intervenção a ser realizada. A motivação pode ser entendida, aqui, como a probabilidade de ocorrer mudança e a adesão comportamental ao plano de tratamento (6). A função do terapeuta, dessa forma, será diferente para cada momento do processo de motivação do paciente, contribuindo para que este avance de maneira segura e confortável, rumo à tomada de decisão (6,8). Assim, a cada momento teremos novos elementos que contribuirão para a tomada de decisão e estes precisam ser identificados para que o terapeuta atue de maneira mais eficaz, abordando os elementos que, naquele momento, estão atrelados a valências emocionais mais intensas.
A fase de retirada gradual dos cigarros têm duração média de 6 semanas, dependendo das dificuldades encontradas por cada paciente, ao final das quais este terá parado completamente de fumar (5). Em um processo individualmente orientado, os prazos e o ritmo em que a retirada será efetuada podem ser acordados para melhor atender às necessidades daquele paciente em si. É importante atentar para o fato de que, a despeito de muitos pacientes compartilharem questões quanto ao fumar e ao processo de cessação, as razões, os hábitos, principalmente, o valor emocional atribuído a manter ou abandonar o tabagismo é, necessariamente, idiossincrático (8). A retirada gradual da nicotina apresenta a vantagem de diminuir o impacto dos sintomas de abstinência, bem como de proporcionar ao paciente a possibilidade de romper gradualmente as rotinas comportamentais associadas ao hábito de fumar, substituindo-as por outras estratégias aprendidas na terapia durante esse período (5).
Após a data em que o paciente inicia a abstinência completa, tem início a manutenção. O acompanhamento da terapia nesta fase é importante para a prevenção de recaídas. Os encontros com o terapeuta, neste estágio, vão se tornando menos frequentes, até que o paciente se sinta apto a manejar sozinho com os desafios de ser um ex-fumante. Assim, em poucos meses, os indivíduos terão não somente abandonado o tabagismo, mas também aprendido estratégias para prevenir recaídas em momentos de vida futuros, aumentando suas chances de se manter saudável e longe do cigarro (5).
O processo de abandono do tabagismo é, para muitos pacientes, percebido como um momento de perda e, em alguns casos, luto. Para muitos pacientes, fumar opera uma função importante na estrutura do funcionamento pessoal, interpessoal e ocupacional. Nesse sentido, é importante que os profissionais de saúde possam entender e expressar compreensão por estas dificuldades. Reconhecer que, ao mesmo tempo em que, ao parar de fumar, o paciente tem necessariamente perdas, ele também terá ganhos, costuma ter um impacto positivo na motivação(6). A empatia por parte do terapeuta adquire um papel essencial na relação terapêutica com o paciente ambivalente. A atitude empática por parte do terapeuta permite que este, juntamente com o paciente, identifique que elementos estão colaborando para a decisão, no estágio atual de motivação. A empatia terá ainda a função de permitir ao terapeuta efetivamente compreender porque, para aquele indivíduo, deixar o cigarro é importante e que elementos dificultam desta decisão. A tomada de perspectiva empática pelo terapeuta permite que este genuinamente compreenda as dificuldades enfrentadas pelo paciente, e que possa, a partir de seus conhecimentos, auxiliá-lo a lidar com aqueles aspectos específicos, da melhor maneira possível (8). Por último, a expressão da empatia, em que o terapeuta demonstra para o paciente que entende que elementos estão sendo ponderados e que valor estes representam para o sujeito, permite uma relação terapêutica marcada pela segurança, apoio e confiança, minimizando a resistência interpessoal(6).
A confrontação passa, dessa maneira, a ser substituída pela colaboração entre paciente e terapeuta. Nesse sentido, é importante para o processo que o terapeuta possa “fluir com a resistência”, ou seja, ao invés de confrontá-la, abordá-la de maneira colaborativa, auxiliando o paciente a avaliar a situação de maneira ampla, considerando vantagens e desvantagens (6). É preciso ter o cuidado de preservar a autonomia de decisão do paciente, uma vez que o sujeito é quem efetivamente terá um papel ativo no processo de implementação da mudança, contando sempre com o apoio do terapeuta. Assim, não faz sentido para o profissional adotar uma postura rígida no sentido da mudança, enquanto o paciente oscila em seu nível de motivação. Ao “fluir”, ou seja, acompanhar a ambivalência do paciente ao longo do processo, adotando posturas especificamente planejadas para cada etapa, o terapeuta se manterá mais próximo das necessidades do paciente em cada momento.(6, 8) Outra intervenção importante é a deliberada busca por situações anteriores de sucesso, de modo a reforçar a autoeficácia do paciente, ou seja, a percepção de si mesmo como alguém capaz de realizar seus objetivos. Nesse sentido, as técnicas motivacionais tem, além dos clássicos componentes cognitivos e comportamentais, um trabalho específico no aspecto emocional da tomada de decisão(8).
Por Psicóloga Aline Sardinha
Referências
1- Aveyard P, West R. Managing smoking cessation. BMJ. 2007;335(7609):37-41.
2- Nides M, Leischow S, Sarna L, Evans SE. (2007). Maximizing smoking cessation in clinical practice: pharmacologic and behavioral interventions. Prev Cardiol.; 10(2 Suppl 1):23-30.
3- Ministério da Saúde (2001). Abordagem e Tratamento do Fumante: Consenso.
4- Lancaster T, Stead L, Silagy C, Sowden A. (2000). Effectiveness of interventions to help people stop smoking: findings from the Cochrane Library. BMJ; 321:355-8.
5- Sardinha, Aline; Oliva, Angela Donato; Falcone, Eliane M de O ; Ribeiro, Flaviany ; D’Augustin, Juliana . Intervenção Conitivo-Comportamental com grupos para o abandono do cigarro. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, Rio de Janeiro, v. 1, n.1, p. 83-89, 2005
6- Miller WR, & Rollnick, S. Motivational interviewing: Preparing people for change 2nd ed. New York: Guilford Press; 2002.
7- Bechara A DH, Damasio AR. Emotion, decision making and the orbitofrontal cortex. Cerebral Cortex. 2000;10(3):295-307.
8- Sardinha, A. Como abordar a ambivalência do fumante? O que é balança de decisão no tratamento?. In: Alberto José de Araújo. (Org.). Manual de Condutas e Práticas em Tabagismo – Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. 1ed.São Paulo: AC Farmaceutica, 2012, v. 1, p. 182-184.