“Todos os caminhos levam à morte. Perca-se!”
Jorge Luis Borges
O que existe entre a vida e a morte? Qual é o estágio final em que a vida pode ainda ser recuperada? A tênue linha que separa a vida e a morte tem intrigado médicos e cientistas há séculos, mas novos estudos começam a devendar o enigma. Profissionais de saúde frequentemente se deparam com relatos de diferentes pessoas que, reanimadas de paradas cardio-respiratórias (PCR), descrevem com detalhes situações e sensações que guardam estranhas semelhanças entre si.
O termo experiência de quase-morte (EQM) agrupa um conjunto de sensações relatadas como a visão de um túnel de final iluminado, flutuação acima do corpo físico, um segundo corpo, visão de 360º, sensação de que o tempo passa em uma outra velocidade e até a ampliação dos sentidos, entre outros testemunhos comuns. O mais antigo registro de uma EQM está na obra “A República (Livro X), de Platão. Mas foi “Vida depois da Vida”, nome da edição em português da obra “Near-death experiences”, do psiquiatra Raymond Moody, que despertou o interesse popular pelo tema, em 1975.
Os relatos de EQM têm sido documentados em todas as culturas do mundo. O primeiro estudo clínico sobre EQM, em pacientes pós-parada cardio-circulatória (PCR), foi publicado na revista Lancet em 2001 pelo cardiologista holandês Pim van Lommel e seus colaboradores. O trabalho revelou que de 344 indivíduos reanimados, 62 (18%) tiveram EQMs, lembrando-se com detalhes das situações que passaram durante as manobras de ressuscitação.
Moody relata o intrigante caso de uma mulher de 70 anos, cega desde os 18, que descreveu com detalhes vívidos o que aconteceu enquanto os médicos a reanimavam de uma PCR. Ela descreveu os instrumentos que foram utilizados e até mesmo as suas cores. O mais surpreendente é que muitos dos instrumentos sequer foram concebidos na época em que ela ainda podia ver. Além disso, relatou acertadamente que o médico portava jaleco azul quando começou a ressuscitá-la.
Um experimento recentemente publicado, conseguiu registrar ao eletroencefalograma de ratos, um aumento sincronizado transitório das oscilações gama que ocorrem nos primeiros 30 segundos após a PCR e precedendo o traçado isoelétrico da morte encefálica. A atividade neurofisiológica encontrada no estado de quase-morte foi de alta frequência, excedendo os níveis encontrados durante o estado de vigília consciente, o que poderia demonstrar que a privação de oxigênio e glicose estimula a atividade cerebral. Como não existem provas sobre a causa e o significado desses fenômenos, a comunidade científica se divide em classificar as EQM das mais variadas formas, desde alucinações até complexos fenômenos biológicos. As muitas teorias vigentes se dividem basicamente entre os que acreditam que as EQM são reações encefálicas à isquemia (visão monista) enquanto há quem as interprete como prova de que a consciência não é produzida pelo cérebro e de que existiria vida após a morte (posição dualista). A referida pesquisa, recentemente publicada, reforça a primeira hipótese.
Referências:
Borjigin J,et al. Surge of neurophysiological coherence and connectivity in the dying brain. Proc Natl Acad Sci U S A. 2013;110(35):14432-7.
van Lommel P, et al. Near-Death Experience in Survivors of Cardiac Arrest: A prospective Study in the Netherlands Lancet. 2001; 358(9298):2039-45.
Moody Jr RA. Vida depois da Vida. Editora Nórdica, São Paulo, 1975.
Por Dr. Marcus Vinícius Bolívar Malachias