Resiliência é a capacidade de se manter o equilíbrio emocional sob grandes tensões. A medicina é uma profissão desafiadora e que requer o poder de transcender adversidades. Além disso, espera-se que os médicos tornem os seus pacientes mais saudáveis, mas que também sejam zelosos com a sua própria saúde. A realidade, no entanto, é bem diferente.
Pesquisas sobre a saúde física e mental dos médicos revelam que os mesmos parecem ser tão focados nos cuidados com seus pacientes que negligenciam o seu próprio bem-estar. É também comum a cultura de invencibilidade entre tais profissionais. O burnout, o esgotamento físico e mental devido ao trabalho, é altamente prevalente entre doutores.
Uma pesquisa realizada em nosso meio pelo Conselho Federal de Medicina, em 2007, revelou que, à época, a maioria dos médicos (57%) apresentava algum grau preocupante de burnout. Um em cada 10 médicos (10,6%) se encontrava em burnout extremo. A pesquisa revelou ainda que a maioria desses profissionais atuava em três ou mais empregos, que 39,5% trabalhavam de 41 a 60 horas semanais, enquanto 20% trabalhavam de 61 a 100 horas. Embora não existam dados mais recentes, provavelmente, o cenário médico atual é igual ou ainda pior.
A multiplicidade de ações parece ser um dos maiores problemas da profissão. Segundo o Tao-Te-Ching, “o caminho da multiplicidade é um caminho sem descanso; cada ponto de chegada é um ponto de partida; cada reencontro é uma despedida”. No livro “First do no harm – being a resilient doctor in the 21st century1”, L. Rowe e M. Kidd aconselham os colegas a “criarem um santuário acolhedor em casa, preservando relacionamentos, família e amigos”, que se perdem em meio às múltiplas ações. Os autores sugerem ainda que os doutores encarem os conflitos como oportunidades, que não se isolem e participem ativamente de sociedades e grupos profissionais, que sigam aquilo que recomendam, ou seja, consultem regularmente um médico de confiança e evitem a automedicação, lembrando-se sempre que seu comportamento deve ser um exemplo para seus pares, pacientes e a comunidade.
Pesquisas revelam que médicos que adotam um estilo de vida saudável obtêm mais sucesso na orientação de seus pacientes. Um estudo piloto realizado na Clínica Mayo demonstrou que a adoção de programas simples que busquem aumentar a qualidade de vida e diminuir o estresse dos médicos podem melhorar significativamente a resiliência, a ansiedade e a produtividade 2. “Homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. Pensam ansiosamente no futuro e se esquecem de viver o presente. Vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se nunca tivessem vivido”, conclui o Dalai Lama.
1) Tradução livre: Em primeiro lugar, não prejudiques (aforismo romano): ser um médico resiliente no século 21.
2) Sood A, Prasad K, Schroeder D, Varkey P. Stress Management and Resilience Training Among Department of Medicine Faculty: A Pilot Randomized Clinical Trial. J Gen Intern Med. 2011, 26(8): 858-61
Por Marcus Vinícius Bolívar Malachias,
Doutor em Cardiologia pela FM-USP, Professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e candidato à presidência da SBC na eleição de 2014.