Implante valvar aórtico percutâneo: a importância da seleção de pacientes

Há mais de uma década o implante percutâneo valvar aórtico (TAVI) foi introduzido como uma nova metodologia terapêutica na Cardiologia Intervencionista. Em 2002, Cribier idealizou essa nova terapêutica para atender pacientes portadores de estenose aórtica (EAo) grave com contraindicação a cirurgia de troca valvar. Atualmente, o TAVI ocupa indicação classe I, nível de evidência B para pacientes portadores de EAo grave inoperáveis e classe IIa, nível de evidência B para os de alto risco cirúrgico.

Muito se aprendeu e evoluiu neste 11 anos e as evidências científicas que amparam essa nova terapêutica cresceram numa velocidade nunca vista anteriormente no cenário científico. Sem dúvida, o ponto mais importante na aplicabilidade desta nova metodologia terapêutica da Cardiologia Intervencionista está na realização de uma adequada e confiável seleção dos pacientes candidatos ao TAVI. A seleção é complexa, requerendo a execução de múltiplas etapas, sendo indispensável a presença de um “Heart Team” composta de, no mínimo, cardiologista clínico, cirurgião cardíaco, anestesista, ecocardiografista e radiologista experientes em cardiopatias estruturais.

A seleção dos pacientes para TAVI pode ser dividida em duas fases:  indicação clínica e indicação anatômica.

INDICAÇÃO CLÍNICA:

1-      Confirmação do diagnóstico: pacientes portadores de EAo grave podem ter apresentação sintomática ou assintomática. A presença da sintomatologia clássica reconhecidamente devida a estenose valvar e não a outra patologia associada é um determinante da necessidade de troca valvar cirúrgica ou percutânea. Nos pacientes onde a sintomatologia não está presente há   controvérsia quanto esta indicação. A confirmação da gravidade da EAo é realizada por ecocardiograma transtorácico convencional.

2-      Avaliação do risco do procedimento cirúrgico: são aplicados pelo menos dois scores de riscos amplamente utilizados para estratificação destes pacientes. O EUROSCORE I ou II e o STS (Society of Thoracic Surgeons) score são os atualmente empregados. Pacientes com Euroscore I > 15, EUROSCORE II ≥ 6 e STS score > 10 são considerados de alto risco cirúrgico.

3-      Avaliação da situação clínica geral do paciente: algumas patologias não estão presentes quando analisamos os scores de risco, mas contribuem de forma decisiva para a contraindicação cirúrgica. São estas, a presença de hepatopatias graves, doenças graves do colágenos e uso de imunossupressores, neoplasias e quimioterapias, presença de aorta em porcelana, distúrbios diversos da coagulação, certas deformidades torácicas, tórax hostil por irradiação prévia ou cirurgias prévias, presença de artéria mamária interna em by-pass coronária pérvio e o índice de fragilidade do paciente. É importante observar que uma expectativa de vida menor que 1 ano é uma contraindicação a terapêutica de TAVI.

 

INDICAÇÃO ANATÔMICA:

Esta pode se dividida em outras duas etapas: avaliação da anatomia do complexo valvar aórtico para recebimento da prótese e avaliação do acesso e trajeto do sistema carreador da prótese. Na análise da anatomia do complexo valvar aórtico há a necessidade de medir o diâmetro do trato de saída de VE, do anel valvar aórtico, do seio de valsalva, da aorta ascendente e distância do anel aos ostios coronários. Novas referências como área e perímetro do anel valvar aórtico vem sendo utilizadas com crescente aplicabilidade pela capacidade de aumentar a precisão das medidas. Na avaliação do acesso e trajeto, presença de estenoses, tortuosidades e diâmetros devem ser verificados.

Três exames são fundamentais nesta etapa.

1- Ecocardiograma transesofágico: ecocardiografista experiente e conhecedor das particularidades da anatomia de todo complexo valvar aórtico e das características das próteses a serem implantadas farão a grande diferença na realização das medidas adequadas ao protocolo de TAVI.

2- Tomografia computadorizada muliti-slice:  é considerado o método de análise mais importante para verificação da adequação anatômica da prótese ao complexo valvar e na escolha do tamanho adequado da prótese a ser empregada. A escolha do tamanho correto será determinante entre sucesso e insucesso do procedimento. Um tamanho inadequado é sério preditor de mortalidade imediata, a curto e médio prazo do procedimento. Este exame deve analisar também o acesso e trajeto vascular do paciente para o recebimento da prótese, devendo  incluir todo trajeto aórtico,  ilíacas, femorais e subclávias.

4-      Cateterismo Cardíaco: além da análise de todos os parâmetros anteriormente descritos para a tomografia, incluímos angiografia coronária. Como o cateterismo cardíaco é necessário para todo paciente, seja com indicação de TAVI ou troca valvar cirúrgica, aconselhamos que na presença de um paciente idoso portador de EAo grave, que vai ser submetido a cateterismo cardíaco, o mesmo seja realizado sempre seguindo o protocolo de TAVI, para evitar que, durante uma posterior reavaliação do paciente, a necessidade de mudar a indicação de cirurgia convencional para TAVI, não leve a obrigatoriedade de realização de um novo exame com o objetivo de verificar a adequabilidade anatômica da prótese, visto se tratar de um procedimento invasivo, de risco elevado, particularmente nestes pacientes.

Realizado corretamente todo o protocolo acima poderemos partir para um procedimento de TAVI seguro. Hoje o índice de sucesso do procedimento alcança valores maiores de 95% e a sobrevida em 1 ano é cerca de 80%. Os principais preditores de mortalidade no primeiro ano são a presença de baixa fração de ejeção  de VE e DPOC grave, portanto corroborando que a seleção deve ser criteriosa, com a certeza que sintomas comuns nestas condições, como dispneia e cansaço, sejam certamente decorrentes da EAo.

O avanço inestimável  do TAVI no tratamento do paciente idoso portador de EAo grave não sobrepujou, até o momento, a cirurgia de troca valvar como o método “gold standard” na terapêutica desta patologia. Hoje, a ocorrência de EAo alcança proporções elevadas na população de terceira idade, onde cerca de 30% dos portadores de EAo grave são considerados inoperáveis ou de alto risco. Portanto, durante o processo de seleção caberá uma reflexão matemática de nossas indicações. Em nosso consultório e em nossa instituição hospitalar, pelos dados estatísticos mundiais e pelas indicações atualmente aceitas, deve ser realizado 1 TAVI para cada 2 a 3 pacientes operados convencionalmente.

É fundamental aconselharmos o paciente baseado em evidências científicas. Embora métodos menos invasivos sejam um grande atrativo na hora de decidirmos, uma decisão inoportuna poderá levar a resultados inadequados que cumulativamente prejudicam a evolução e implementação de maneira mais ampla de novas tecnologias.

 

 

Maria Cristina Meira Ferreira

Presidente da SOHCIERJ

 

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