Interferência em Marcapasso: Mito ou Realidade ?

Luiz Eduardo Camanho

Nos últimos anos, a população portadora de dispositivos cardíacos eletrónicos implantáveis (DCEI), tais como marcapassos e cardioversores-desfibriladores implantáveis (CDI), tem aumentado significativamente, devido ao envelhecimento da população e morbidade associadas.

Os benefícios na redução da morbi-mortalidade associados a esta modalidade terapêutica já estão bem estabelecidos na literatura. Paralelo a isto, observa-se um significativo desenvolvimento tecnológico, com surgimento de diferentes fontes emissoras de sinais eletromagnéticos, que potencialmente podem interferir com a função dos DCEI através de interferência eletromagnética (EMI).

Apesar dos esforços contínuos, os eventos adversos relacionados à EMI ainda são uma realidade. Neste artigo iremos descrever as principais e potenciais fontes de interferência e os respectivos cuidados pertinentes.

Eletrocautério
O eletrocautério envolve a liberação de corrente elétrica de radiofrequência para produzir a dissecção, corte ou coagulação do tecido, podendo apresentar-se na forma mono ou bipolar. A utilização do eletrocautério em pacientes portadores de DCEI exige a monitorização eletrocardiográfica contínua e, preferencialmente, o dispositivo deve ser reprogramado no momento do ato cirúrgico para modo assíncrono, com freqüência de estimulação superior à própria do paciente.

Em situações emergenciais, pode-se utilizar o ímã sobre a unidade geradora. No caso de marcapasso convencional, esta estratégia faz com que o sistema fique assíncrono, evitando inibições temporárias de estimulação. No caso de portadores de CDI, a colocação do ímã sobre o gerador, desabilita apenas a função anti-taquicardia, evitando a liberação de choque inapropriado.

O eletrocautério bipolar oferece uma menor chance de interferência no DCEI e, portanto, é sempre o mais indicado. A limitação é o fato de possuir apenas a capacidade de coagulação.
Nos casos em que se necessita utilizar a configuração unipolar, a placa indiferente deve ser posicionada o mais distante possível do sistema (gerador e cabos-eletrodos) e o mais próximo possível do bisturi, de tal forma que a alça elétrica não passe sobre o sistema. Além disto, a aplicação de corrente do bisturi deve ocorrer de maneira intermitente, com pulsos de curta duração.

Ressonância Magnética
Os campos magnéticos estáticos e alternantes gerados pelo sistema podem provocar atração translacional do DCEI (gerador e cabo-eletrodo), ativação ou dano da chave magnética, reprogramação espúria e inibição ou reversão assíncrona do gerador, indução de corrente através dos cabos-eletrodo, interferência eletro-magnética, depleção de bateria e aquecimento do sistema. Estima-se que os pacientes portadores de marcapasso ou CDI tenham 50% -75% de probabilidade de apresentar uma indicação clínica para realização de ressonância magnética (RM) durante a vida útil do dispositivo.

A RM é contra-indicada em portadores de DCEI. Em casos nos quais a realização do exame seja indispensável e fundamental, o marcapasso deve ser reprogramado para modo assíncrono e o CDI deve ter a função antitaquicardia desativada. A RM deve ser realizada sob monitorizaçao rigorosa e o DCEI deve ser reavaliado e reprogramado ao final do procedimento.

Recentemente, um estudo multicêntrico avaliou o uso de um marcapasso (gerador e eletrodos) projetados especificamente para reduzir a probabilidade de interferência da RM sobre o DCEI. Este dispositivo foi implantado em 464 pacientes, e estes foram randomizados para RM (crânio e coluna lombar com um scanner de 1.5 Tesla) ou não realização de RM. Não houve diferenças entre os dois grupos em parâmetros de estimulação ou desenvolvimento de complicações associadas com a RM. Baseado nos resultados deste estudo, o FDA aprovou o uso deste sistema de estimulação em 2011. Posteriormente, foi lançado o primeiro CDI compatível com ressonância magnética. Os DCEI (marcapasso e CDI) compatíveis com RM (MRI safe) já se encontram disponíveis no Brasil.

Apesar de seguros, os pacientes portadores de DCEI MRI safe, só podem submeter-se a RM de no máximo 1,5 Tesla, por ser considerado o limite de segurança definido pelo fabricante.

Desfibrilação externa
A cardioversão e a desfibrilação podem interferir momentaneamente nos geradores, podendo provocar disfunção temporária, permanente ou mesmo interrupção da estimulação. Podem ainda ocasionar lesão da junção eletrodo-miocárdio, gerando elevação dos limiares de captura ou alteração na sensibilidade.

O posicionamento das pás do desfibrilador deve respeitar uma distância mínima de 15 cm da unidade geradora, devendo-se aplicar o choque perpendicularmente ao eixo formado entre o gerador e a ponta do eletrodo. A utilização do ímã sofre as mesmas restrições descritas anteriormente. Em caso de procedimento eletivo, é recomendado a reprogramação do DCEI para modo assíncrono bem como a desativação das terapias anti-taquicardia em portadores de CDIs. O dispositivo deve ser reavaliado e reprogramado após o procedimento.
Vale ressaltar que em portadores de CDI e fibrilação atrial, a cardioversão pode ser realizada através do próprio aparelho, com sedação e choque programado.

Ablação por radiofreqüência (RF) e mapeamento eletro-anatômico
A aplicação de RF (durante procedimentos de ablação por cateter) é capaz de causar interferência na sensibilidade dos geradores, ocorrendo normalmente de forma transitória e principalmente no inicio da aplicação de RF. O DCEI deve ser reprogramado para modo assíncrono e a aplicação de RF deve ser realizada a uma distância mínima de 2 cm da junção eletrodo-miocárdio. Nos casos em que utiliza-se mapeamento eletro-anatômico, o controle do DCEI por telemetria só pode ser realizado quando o campo magnético do sistema estiver desativado.

Radioterapia
A exposição do gerador a doses cumulativas acima de 500 rads pode provocar depleção da bateria ou disfunção permanente do DCEI. A radiação terapêutica pode ser realizada desde que se delimite o local de atuação e o gerador esteja protegido por chumbo e seja reprogramando para modo assíncrono. Não devem ser realizadas aplicações a menos de 5 cm do gerador. Nos casos em que seja necessário o tratamento prolongado ou a utilização de radioterapia na região da loja (p.ex., câncer de mama ou pulmão), o gerador deve ser explantado e reposicionado contra-lateral à região irradiada.

Litotripsia
Esta terapia pode provocar interferência através da ação mecânica ou da formação de campo elétrico. Os geradores bicamerais devem ser reprogramados para o modo bipolar unicameral assincrônico a fim de evitar dupla deflagração. O gerador não deve estar sob o foco da onda de choque, portanto em portadores de DCEI implantado no abdome, a indicação de litrotripsia deve ser individualizada.

Telefone celular
A maior incidência de interferência foi observada quando o telefone celular foi colocado diretamente sobre o próprio gerador do marcapasso. Entretanto, o uso do telefone no ouvido foi associada com a menor incidência de interferência, sem qualquer evento clinicamente significativo. Dados de um estudo demonstraram que telefones celulares não interagem com CDI, mesmo quando o telefone celular encosta a pele que recobre o gerador. Em geral, recomenda-se manter uma distância mínima de 15 cm para os telefones celulares, devendo ser utilizados no ouvido contra-lateral à localização do gerador. No caso de implante peitoral não deve-se portar o telefone próximo ao gerador.

MP3 player
Aparelhos de música digital podem causar interferências durante a interrogação através da telemetria mas provavelmente não interagem diretamente com DCEI. Em um estudo com 67 pacientes, a interferência na telemetria do programador com o marcapasso foi observada em 16% dos pacientes, mas nenhuma alteração real foi observada, mesmo quando o MP3 player foi colocado diretamente sobre o DCEI. Num outro estudo os pacientes foram expostos aos diferentes tipos de iPod, por 1 minuto cada, na presença e ausência de telemetria. Ocorreu interferência na telemetria em 36,4% dos testes. Entretanto nenhum dos testes mostrou qualquer evidência de interferência direta quando a telemetria foi removida.

Geralmente, os pacientes com o DCEI não deve ser desencorajados ao uso de fones de ouvido portáteis, mas eles devem ser avisados para mantê-los distante do gerador para minimizar o risco potencial de interferência magnética.

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